sexta-feira, 18 de julho de 2008

A tal coisa da pátria ser a nossa língua

Recebi um mail curioso com o título "A minha pátria é a língua portuguesa". É um desses emails que convidam a ir assinar uma petição que protesta contra qualquer coisa, desta vez sobre a implementação do novo acordo ortográfico da língua portuguesa.

Não sendo linguista nem especialista no assunto, tenho uma opinião. Bem, é óbvio que é uma opinião e mais nada, mas quem aqui vem já sabe que lê as minhas opiniões e que elas podem ser tão palermas como outras quaisquer. Ou não, sabe-se lá.

Pois bem, sobre esta matéria, devo dizer que acho um perfeito disparate de repente o português de Portugal (chamemos-lhe "europeu", como também lhe podemos chamar "lusitano"; esta distinção só serve mesmo para isso, para o distinguir) se transformar-se em português do Brasil.

Atenção, não estou aqui a advogar a superioridade do português europeu (que, curiosamente, para mim está do "outro lado do Atlântico") nem da inferioridade do português do Brasil. E sim, bem sei que é um acordo entre todos os países da CPLP, mas chamemos os bois pelos nomes: a questão cinge-se a - praticamente - só estas duas variantes, a portuguesa e a brasileira. Retomando, não estou a advogar a superioridade de uma em relação à outra variante. Apenas acho que não é por de repente em Portugal termos de escrever "úmido" sem "h" ou "fato" sem o "c" que os brasileiros nos vão entender melhor.

Separemos aqui as águas: um brasileiro que leia palavras como "adopção" sabe perfeitamente do que se trata, tal como um português que leia a palavra "adoção". O que um brasileiro, regra geral, não entende é quando um português fala com o seu sotaque habitual: fechado e sibilante. Ora o acordo não prevê a alteração da fonética, ou prevê? Ainda que preveja, lamento, mas não vou dizer "fato" quando quero dizer "facto". Para mim são coisas bem diferentes.

A questão prende-se com a grafia (dado que é um acordo ortográfico). Hoje em dia há editoras em Portugal que escolhem "adaptar" para português europeu livros escritos originalmente em português brasileiro. No Brasil, o caso é igual. Para quê, se a grafia também confere carácter ao texto? Sobretudo sabendo que os falantes de cada uma das variantes nacionais reconhece a outra e entende perfeitamente o seu significado.

No fundo, tudo isto me parece apenas uma questão política: enquanto que Portugal tem pouco mais de 10 milhões de habitantes, o Brasil tem mais de 186 (dados da wikipedia; mesmo que não estejam correctos, o que não me parece, a diferença é sempre substancial). Que Portugal queira assinar um acordo ortográfico que muda a sua grafia para ficar igual à brasileira, para mim não passa de uma manobra política: assim todos falamos a mesma grande língua, sem variantes nacionais, dado que todos vamos escrever (oficialmente) da mesma maneira. É como ter um pequeno Portugal à frente de todos os outros países de língua oficial portuguesa. E não há muita paciência para revivalismos! A língua já é a mesma, com as variantes nacionais e regionais de todos os países que a partilham. A meu ver, estas variantes enriquecem a língua e estar a unificá-la, pelo contrário, empobrece-a.

Para mim, Portugal fazia bem melhor em aumentar a sua presença no Brasil, para deixarmos de ser todos Marias, Manéis, padeiros e parolos. E para ver se os brasileiros passavam a entender-nos quando falamos, tal como nós os entendemos a eles. E atenção: esta não é uma crítica à falta de ouvido dos brasileiros. É, sim, à incapacidade de Portugal de se representar culturalmente com força no estrangeiro, nomeadamente no Brasil.

6 comentários:

do not push my buttons! disse...

Clap! Clap!
Estou contigo. Sou a favor da diversidade e da especificidade da cultura. Devemos ter orgulho em falarmos uma língua tão rica, tão complexa e tão meticulosa. Temos palavras para tudo e mais alguma coisa. Cada tempo verbal diz-se de maneira diferente consoante o sujeito, o tempo, a condição, etc. Se tornarmos tudo uniforme, vão ter de se apagar estes pormenores que nos são característicos, vamos desfocar o nosso rendilhado linguístico. Numa consequência remota e, empregando o mesmo tipo de argumento para este acordo desacordado, qualquer dia estamos todos a falar unica e exclusivamente inglês: para nos "compreendermos" todos melhor.
Não. Não vou abandonar nem os pp nas adopções, nem os hh nos húmidos e nem os cc nos factos.
Chamem-me antiquada. A ver se me ralo!

prainha disse...

Tenho dito!

alcinda leal disse...

Como os comentadores anteriores não penso alterar em nada a minha escrita , a não ser com o tempo que tudo vai alterando de mansinho e sem darmos por isso...e um dia quando damos conta já escrevemos da forma que se usa na altura.
Assim será!
bjs

francisca disse...

Vinte valores para ti, assim é que se fala.
Beijinhos

Anónimo disse...

Olá!

O teu ponto de vista é muito interessante e concordo com o que dizes, no que respeita à questão política, ao disparate da força dos números e ao facto de diferença ser mais enriquecedora que a unidade.

No entanto, temos que convir, que as línguas são "organismos vivos", e tal como nós devem evoluir.

Há alguns arcaísmos que não fazem sentido e, assim sendo, julgo que vale a pena mudar. Nomeadamente, algumas heranças do Latim. Por exemplo: por que é que «acção» (que eu saiba não é homófona com mais nenhuma), há-de ter o "C" mudo?

Da mesma forma que se abandonou o acento grave (com a excepção do caso da contracção do artigo) o "z" em prol do "s", outras alterações fazem sentido e abandoná-las-emos, sem romantismos.

Quem é que hoje ainda utiliza as aspas curvas [« »]?

Para quem ainda não sabe, eis onde podem encontrar as alterações explicadas:
http://www.flip.pt/AcordoOrtográfico/PerguntasFrequentes/tabid/536/Default.aspx

Namaste!

Alexandre Kovacs disse...

Cheguei por aqui através do blog da Karen e gostei muito dos textos. Acho que o acordo ortográfico está acabando com a pouca diversidade ainda existente em nosso planeta e ajudando a piorar a chatice de um mundo globalizado (e igual). Voltarei com mais calma.