quarta-feira, 28 de abril de 2010

De avião

Lembro-me de quando era mais miúda que as viagens de avião eram, para mim, uma festa. A viagem, em boa verdade, já era parte das férias. O aeroporto, os destinos longínquos e exóticos, o check-in e as etiquetas, os cartões de embarque e os passaportes, tudo isso era uma antecipação da euforia das férias.

Hoje, confesso, cada vez me custa mais entrar num avião. Talvez seja porque o faço com mais frequência, mas suponho que a minha idade e o cada vez menor conforto da viagem também sejam factores a contabilizar. Lembro-me dos tempos em que levava uma garrafa de água de litro e meio, comprada no supermercado (e não com o preço pornográfico a que é vendida nos aeroportos), e isso não fazer nenhum guarda levantar o sobrolho. Lembro-me de talheres de metal (ainda os há, bem sei, mas já começam a ser espécie rara) e de jogos distribuídos às crianças. E agora, só conheço o desconforto, o pouco espaço, a falta de posição na cadeira. Às vezes calha-nos um daqueles Airbus maravilhosos com ecrã individual e cabine com redução de ruído; às vezes calha-nos ter o lugar do lado vazio; outras vezes, não.

Pois desta feita vinha eu entalada entre a janela e um senhor obeso. Sim, obeso, ao ponto de não conseguir baixar a mesinha e de ter de se levantar para poder carregar em qualquer dos comandos colocados no apoio de braços. Foi quase dramático: o senhor, super incomodado com a falta de espaço, nem sabia o que fazer. A páginas tantas deixou cair qualquer coisa e foi um sarilho para a recuperarmos. Eu não tinha apoio de braços (o senhor precisava dele como espaço vital, temos de nos lembrar que, afinal de contas, ele mal cabia na cadeira) e praticamente não alcançava o espaço à frente do meu lugar. Tinha mesmo pouca margem de manobra.

Com o jantar e o tabuleiro que não chegava a assentar na horizontal - o volume ventral não o permitia - comecei a sentir claustrofobia. A verdade é que não estava a ver bem como íamos fazer uma viagem de treze horas naquelas condições.

E aqui entra a questão: as pessoas mais volumosas devem ou não comprar dois lugares?

Vou falar da minha experiência: por favor, sim.

Sabem aqueles bebés que estão tão incomodados com o voo que choram as tais treze horas sem parar? Os pobres pais já não sabem o que fazer e as pessoas à volta já bufam de impaciência? Pois estar ao lado de um passageiro volumoso, para mim, é pior. É pior porque fico sem espaço. Com barulho enfio uns tampões nos ouvidos e sigo para bingo; sem espaço, dá-me uma sensação de estar fechada (que estou) que me deixa à beira do pânico.

Como é evidente, isto é uma discriminação das pessoas mais volumosas. Eu sei, eu sei. Mas também sei que nem elas, nem eu viajamos com um mínimo de conforto quando temos de estar de coud-à-coud (fica mais bonito assim) por um bocadinho de apoio de braço.

Em jeito de conclusão, e só para descansar as leitoras mais preocupadas (aham... suponho que vocês sabem quem são), mudei de lugar para outra fila mais atrás, com direito a pernas na coxia e lugar livre ao lado. Muito, muito melhor.

8 comentários:

mm disse...

sei bem do que falas - como sabes !( e com excpção daquele momento de generosidade maravilhosa da semana em que foi para NYC, vou quase sempre enlatada, e das últimas que me lembro foi para Singapura, entre duas pessoas como as que descreves no teu posto. Há, no entanto, uma outra solução... as companhias aéreas poderiam ser menos gananciosas e, em vez de investirem tudo em mais espaço na executiva e na primeira classe - em que há mais do que espaço e não vendem nunca, ou raramente, os bilhetes todos, investirem os seus estudos e os seus engeheiros em criarem mais espaço no lado da económica. Dizem-me que é possível, não sei se é ou não. Eu acredito que será, se conseguimos por camas na parte da frente do avião, também podemos arranjar mais espaço para que o comum dos mortais quando viajam. E nota, há companhias em que a económica tem mais condições e mais espaço, basta comparar aviões... por isso, é possível fazer e criar melhores condições e não ser tudo em nome do lucro! Até porque, se as pessoas forem como eu, começam a escolher as companhias que sabem que também dão um pocuo mais de condições.... e os preços não são assim tão diferentes (já fiz a pesquisa;-))) bj

Billy disse...

Mar, acho que tens muita razão no que dizes e parece-me que o A330 (onde se desenrolou esta cena) já é bastante espaçoso, tem um isolamento acústico muito melhor que outros aviões e as cadeiras até são bastante confortáveis. Mas - e o mas aqui é grande - para um obeso tudo isto não chega porque, pura e simplesmente, necessitam mais espaço, e não sei se isso se resolve com desenhar melhores aviões ou suprimir espaço nas classes superiores.

kel disse...

Sei bem o que isso é... obesos a viajar de avião é o que não falta por cá.

E eu continuo a achar uma injustiça ter de pagar pelo check-in da minha mala da mesma forma que uma pessoa que pesa mais 100 kgs do que eu (o cômputo do peso da pessoa + peso da mala é que devia determinar se o check-in deveria ser sujeito a pagamento ou não).

Billy disse...

Kel, estou TOTALMENTE de acordo contigo. Também acho injusto ter de pagar por excesso de peso na mala quando peso menos vinte quilos que o passageiro médio! Mas já aconteceu...

Karen disse...

Billy, você está indo para o Panamá!!

Desejo uma mudança tranquila (e mais confortável)!

Beijos!

Karen

Billy disse...

É, Karen, estou! Vem aí uma nova aventura...

Obrigada pelos teus desejos e volta sempre!

Ahimsa disse...

Olá,

O que é estranho mesmo é no país dos obesos, ler EUA, ainda não se tenham lembrado de criar uma fila com menos lugares, mas lugares maiores, em económica, como diz a MAR.

A obesidade deveria ser acomodada, da mesma forma que em tempos o era, ser fumador ou não, ou então como o vegetarianismo ou pessoas com problemas de locomoção ou cardíacos.

Da mesma forma que uma criança não paga meio bilhete mas tem um cinto de segurança adaptável, um adulto obeso não deveria pagar 2 bilhetes, mas sim ter um lugar apropriado ao seu tamanho.

A obesidade não é um fenómeno raro. Para além de que não é preciso ser obseso para não se caber, basta ser gordo.

Billy disse...

Ahimsa, eu não sei se um obeso não deveria pagar mais que um bilhete normal (não digo necessariamente dois). Um obeso e a sua bagagem levam mais peso combinado que um adulto de 70 ou 80kg (que não é nem o meu nem o teu caso!) e também ocupam mais espaço. Ora num avião é precisamente isso que é cobrado, peso e espaço.

Acomodar a opção vegetariana (ou, nos antigamentes, os fumadores) ocupam mais espaço ou sobrecarregam mais o avião, por isso não me parece que seja a mesma coisa.

Mas acho que é uma óptima ideia fazer umas filas mais espaçosas na classe económica - só que também acho que os respectivos lugares devem ser mais caros.